Nem toda feiticeira é corcunda,
Nem toda brasileira é bunda, meu bem…
(Rita Lee e Z. Duncan)
– E no Brasil, que língua vocês falam?
– Português.
– Não é espanhol?
– Não, é português.
– Mas, na América do Sul toda fala-se espanhol.
– Mas, no Brasil a gente fala português.
(cara de desconfiado do interlocutor)
– É que a gente foi colônia de Portugal. Aprendemos português.
***
– Você é de qual região do Brasil?
– Do sudeste, cidade próxima a São Paulo (mostro no mapa-mundi da sala, apontando para as cinco regiões que formam o país e digo alguma particularidade de cada, para que eles entendam melhor).
– Mas, deve chover muito na sua cidade, por causa da floresta amazônica.
***
– E a capital brasileira, o Rio de Janeiro?
– Rio de Janeiro não é nossa capital.
– Não?
-Não. Nossa capital é Brasília.
– Não… A capital é o Rio de Janeiro!
(Eles são muito convictos).
– Não, não é. Foi capital no passado mas, nos anos 1950 um presidente chamado Juscelino Kubitschek…
***
– Oi, então você é brasileira?
– Sim.
– Mas, você não sabe dançar!
(…)
– Você mora em favelas?
(…)
***
Se for homem:
– Você é do Brasil?
– Sabe sambar? (Frase sempre acompanhada de um sacolejo de corpo bem constrangedor).
***
Se for mulher:
– Você é brasileira?! Me ensina a sambaaaaar?
Trombo com um desses diálogos todas as vezes que me apresento a alguém. Eu disse todas as vezes, invariavelmente. Seja europeu, asiático ou do Oriente Médio. Eles têm uma relação quase folclórica com o nosso país. E nada, nada do que pensam sobre o Brasil é motivo para eu me orgulhar.
Tomada por profunda irritação com tanta desinformação, me imbuí de uma missão de dar inveja a qualquer jesuíta: arrancar dessas cabecinhas todas as idéias sobre o país tropical e incutir algumas novas ideias sobre uma outra parte de nós.
Minha missão se concentra em alguns pontos principais, a saber:
1) O carnaval, maldito carnaval, é uma festa que abrange todo o país, sim, mas o espetáculo carioca, tão famoso, é uma festa do estado do Rio de Janeiro (mostro no mapa sua pequenez em comparação ao resto do país). Cada cidade tem sua comemoração, mas o mais importante nessa festa é o espírito de festividade que reina. O desfile de mulheres peladas é uma celebração cara, destinada a pessoas com muito dinheiro.
2) Nossa economia não é baseada no carnaval, nem no verão. Somos os maiores produtores de café do mundo, produzimos etanol, temos o maior rebanho comercial de bovinos, estamos entre os três maiores exportadores agrícolas, e, se o fato de depender de commodities não é muito louvável, também somos um bom centro comercial para a indústria automobilística, produzimos aviões, vamos explorar petróleo… (que fique claro, conterrâneos: não que o Brasil seja uma maravilha de prosperidade. Mas, preciso jogar pesado!)
3) A gente tem inverno, sim. Há lugares no Brasil onde até neva! Na minha cidade, por exemplo, todo inverno registramos geada… (Para cada ser que me fala “Brasil é só verão!” tenho vontade de botar o cidadão num biquíni e enviá-lo para São Paulo num dia de frio.)
4) Samba não é uma preferência nacional.
5) Não somos uma nação de dançarinas.
6) Salsa e tango não são ritmos brasileiros.
Dizem que o brasileiro, quando cruza uma fronteira, vira o mais patriota de todos. Pode ser. Mas, de fato, é muito constrangedor ver que em todo o velho mundo o Brasil tem uma só cara. Quem pintou, eu não sei. Mas, aposto que aqueles sociólogos eurocentristas, que adoravam encontrar algo excêntrico para enfeitar a sala de casa, possam ter colaborado com a construção dessa idéia.
Também não nos isento de culpa. A indústria nacional do turismo insiste em colocar uma mulata em trajes sumários nas capas dos pacotes de viagens e dizer que somos o país do carnaval.
Quando vem um cidadão e me fala: “quero conhecer a Amazônia!”, logo digo:
“Ah, mas então me faça o favor de ir para o sudeste também, se não você vai voltar achando que a gente é só uma selva”. Porque você imagina um europeu numa terra do tamanho da Inglaterra e da França juntas – vai achar que conheceu o Brasil inteiro!
A convivência com idéias tão distintas sobre o nosso país também me fez aprender algo novo: nunca, nunca mesmo achar que se conhece um lugar pela sua característica mais marcante. Muito se perde em generalizações.