Eu, minha acomodação e um paraíso chamado IKEA

Eu moro em uma acomodação estudantil da minha universidade e isso tem prós e contras: algo positivo é que, se você conseguir um lugar na moradia, não precisa chegar aqui e enlouquecer no mercado de apostas que virou o mercado imobiliário londrino. Um aspecto negativo, contudo, é que você chega na acomodação e precisa comprar tudo: de travesseiro a louça.

A tarefa pode ser hercúlea para pessoas como eu, que tenho muitas dificuldades em fazer escolhas e em combinar coisas, mas, neste caso, foi facilitada por um fator que eu desconhecia até chegar aqui: o fator IKEA.

Que paraíso é esse lugar!

Quem me recomendou foi uma italiana, que encontrei no corredor da acomodação. Tínhamos nos falado por Facebook e, quando nos encontramos pessoalmente, surpresa! “Oi, eu sou A Keila!” e “Oi, eu sou a fulana! Que você vai fazer?”, “Preciso comprar itens básicos de sobrevivência”, “Eu também! Vamos na Ikea?!”.

Assim, de bate e pronto, saímos em busca do ponto de ônibus, já muito falantes, em direção ao lugar onde todos os orçamentos são bem vindos. Copo de suco a 35p, taça de vinho a 1 libra, caneca a 50p, pratos a 90p. Realmente uma festa.

O interessante é que, numa expedição assim, você descobre o quanto os seus pais precisaram ralar para comprar a louça de casa. Sobretudo, percebe que tupperware não nasce por geração espontânea e que, se você esqueceu de comprar um kit de potinhos plásticos, não vai ter um kit de potinhos plásticos te esperando dentro do armário. Ah, a dura vida de viver por si e para si!

Você também aprende a diferença, a sutil diferença, entre 5 libras e 20 libras e se dá conta que demorar 50 minutos para encontrar o produto ofertado tem importância.

Apesar da muquiranice, fiz um esbanjamento: comprei uma chaleira! 😀 Ela é linda e, quando a água está pronta, ela apita! Uma sensação.

O objeto gerou curiosidade em casa. Uma inglesa que mora na acomodação, de Liverpool, muito British indeed, teceu elogios a minha aquisição. Aproveitei a deixa para aprender a fazer o chá. Aliás, há segredos – é preciso, por exemplo, mexer o chá em determinado momento, apertar o sachê, deixar a infusão durar por dois minutos. Só depois é que pode adicionar o leite. Agora, tomada de conhecimento técnico, tenho feitos muitas canecas de chá.

Apesar da enorme sacola e de todos os itens baratos e incríveis que comprei na Ikea, a visita não bastou para eu encontrar todos os itens – não porque eles não existiam lá, mas porque eu não tinha um entendimento completo sobre o que eu precisaria de fato. Assim, passei a semana descobrindo os itens que não existiam no meu armário – infalivelmente, na hora que tinha a intenção de usá-los.

A primeira semana passou, portanto, baseada na solução de pepinos, o que incluiu também idas diversas ao supermercado, um aprendizado muito novo para mim, apesar de eu frequentar supermercados há anos. Há certas coisas com as quais temos muitas dificuldades.

Visualizo, contudo, muitos aprendizados aqui, dos mais complexos aos mais simples – como, por exemplo, ir às compras com uma lista que faça sentido.

Quando você tem cartões old fashion

É assim que a minha professora qualificou os meus cartões bancários: old fashion.

E não é exagero. Quando se fala em cartões de débito e de crédito, nosso país está atrasado tecnologicamente. E esse atraso vem me causando alguns problemas. O maior deles é que meu cartão livre de taxas de saque simplesmente não funciona nos caixas eletrônicos da Inglaterra! Por ainda ter a senha de quatro dígitos e não possuir chip, não é aceito nas máquinas.

Falando em chips, são eles a pedra no meu sapato. Os cartões daqui têm essa coisinha minúscula incrustrada bem no meio e são lidos por máquinas específicas. Já os nossos, com aquela barra magnética atrás, precisam de leitores diferentes, que, aqui, são considerados antigos.

Com essa grande diferença, dá para adivinhar que em várias lojas nenhum dos meus cartões é aceito. E, quando são, não coloco a senha: tenho que assinar um papel, como aqueles papeizinhos que assinamos quando usamos os cartões de crédito no Brasil. Sendo assim, sua assinatura é seu céu.

Como no Brasil a gente tem que ou pôr senha para usar o de débito, ou mostrar a identidade para usar o de crédito, nenhum dos meus cartões estavam assinados. Pronto! Inferno na terra. Aqui, não adianta no seu cartão estar o mesmo nome que o impresso no seu passaporte. O que conta é a assinatura atrás da porra do cartão. E todo mundo confere se são iguais.

Para ter esse singelo almoço, tive que provar três vezes que eu era quem realmente sou.

Pequena história para ilustrar

Levei o meu cartão num pub para comprar uma refeição e um pint. Porém, a caneta com a qual eu o assinei estava meio fraca e a assinatura ficou uma porcaria. A assinatura meio borrada deixou a moça do caixa meio confusa.

Para tentar ajudar, mostrei meu outro cartão, onde a assinatura estava bem legível. Detalhe: os nomes nos cartões são os mesmos. Mas, isso não foi suficiente. Desconfiada, levou os cartões para cada funcionário avaliar se dava para aceitar ou não. Ainda não muito certa do correto a fazer, foi até o gerente, que pediu para que eu assinasse de novo o cartão, enquanto observava meu desempenho.

Mas, me fala: se alguém fica olhando para ver se você consegue mesmo fazer sua assinatura é a senha para você fazer um garrancho absurdo! Como piorei a situação, ele me olhou por alguns segundos e deu o veredicto: “Pede a identidade”, num tom meio Vani, dos Normais: “aperta o redial”.

Fui pegar o passaporte, não sem antes soltar um “porra, caralho” (em português, óbvio), porque também não sou tão mansa assim.

A moça do caixa examinou o documento criteriosamente, soltou um “nossa, mas como está diferente!” e eu fiquei pensando que não se pode nem dar uma repaginada no visual que tem gente achando que você é golpista.

Daí, depois de mostrar os cartões com minhas assinaturas, o meu passaporte e assinar os papeis da compra, pude ter minha Guinness e minha refeição.

Então, mensagem do dia para evitar problemas:

– Peça ao seu gerente um cartão com chip, para que você não sofra com o atraso tecnológico.

– Assine todos os seus cartões antes de vir para cá. E capriche na letra!