No início de agosto, minha ex-host family me convidou para um programa inusitado: acampar numa vila à beira-mar.
Titubeei no início. Não gosto muito de acampar. Já acampei bastante e, por isso mesmo, não vejo mais muita graça em caminhar quilômetros para achar “o” local, buscar lenha, que no fim das contas é sempre molhada, não ter onde tomar banho, não ter banheiro, essas coisas. Meu momento escoteiro era passado puro. Até conhecer Stifkey.
Stifkey é uma vilazinha próxima a Wells-next-the-sea, ambas localizadas no norte de Norfolk, dando de cara para o mar. E em Stifkey está o acampamento mais legal ever!
Além de toilets higienizados, pasmem, três vezes ao dia, há uma espécie de cozinha para lavar louça e um conjunto de regras que tornam o lugar muito agradável. Depois das 23h, nada de barulho. Nem os bebês choram depois das 23h.
Sem carros tocando axé, funk, sertanejo, aquilo era o reino da paz. Ao fundo, música irlandesa tocando n’alguma barraca.
Cheguei ao acampamento na terça-feira do dia 3 de agosto. Peguei um trem de Norwich a Sheringham e Sheil, minha ex-host mother, foi me buscar na estação. Tomamos um capuccino, papeamos e fomos ao supermercado comprar todos os ingredientes (assim pensávamos) para o delicio jantar, que seria curry, e voltamos para o acampamento.
Foi então que descobrimos que esquecemos da páprica e do curry. Sheil foi andando de barraca em barraca mendigando um temperinho que fosse, mas ninguém tinha (temperos estão para a Inglaterra assim como críquete está para o Brasil).
Andando entre as barracas, me senti na Copa Mundial de Quadribol, do quarto livro de Harry Potter. No livro, com a varinha, cada bruxo faz de sua barraca uma grande casa, com cômodos, tapetes, poltronas. Aqui, as barracas são tão incríveis! Têm varanda, porta, cortina nas janelas (janelas!), algumas são divididas em cômodos, com “cozinha” e “dormitório”. Uma tinha até jardim!
A despeito da falta de páprica e curry, ficamos horas conversando e cortando legumes, bebericando uma garrafa inteira de vinho. No final da noite, sua filha Kamille e o namorado chegaram. Abrimos outra garrafa e fomos dormir por volta da 00h.
No segundo dia, acordamos tarde. Fizemos chá, fomos às compras e visitamos Wells-next-the-sea, onde tomamos uma cida irlandesa no pub Albatros. Este pub é muito legal. Na verdade, o pub é um barco centenario, construído em Rotterdam em 1899, e que fica ancorado no porto. Sua história é longa: foi usado como navio cargueiro e na 2ª Guerra Mundial trasnportou refugiados judeus. Hoje, ele é todo lindo, decorado com quinquilharias e mapas de navegação.
– Quite scaring, observou Sheil.
Totalmente scaring, diria eu.
Por isso, a direção do acampamento expõe, diariamente, no quadro de avisos, os horários da maré.
Demos início ao passeio exatas seis horas antes da maré alta. Começamos a caminhada por um bosque lindo, daqueles que a gente tem certeza que há uma fada escondida. Passado o bosque, caminhamos pelo famoso salt marsh.
O salt marsh, ou pântano salgado, como é conhecido, é um dos mais antigos do gênero em toda a costa de Norfolk e considerado pelo National Trust, responsável por sua conservação, como um dos mais importantes pântanos costeiros de toda a europa. É circundeado por pequenos afluentes que vêm do mar. Com flora e fauna característica, no verão é ocupado por grandes campos de lavanda do mar, assim como as que vi em nossa caminhada matinal.
Passado os campos lilazes, atravessamos pontezinhas cheias de liquens, caminhamos por uma planície de areia esbranquiçada até chegar nos pequenos canais que atestavam a proximidade com o mar.
De repente, olha que surpresa: focas! Todas deitadas tomando um banho de sol, mas não tão sossegadas a ponto de nos deixar aproximar.
Continuamos na caminhada e, quando vi, lá estava o mar, cor verde escuro meio azulado, a escuma, o cheiro de sal impregnando as narinas, que alegria é ver o mar, pensei.
Da última vez que fomos à praia, em maio, eu não consegui avistá-lo. Ali, ver aquela vastidão expressa em água, indo tão longe, me encheu de um sentimento estranho, mas muito bom. Senti uma grande felicidade em pisar nas ondas, em ver aquelas algas sendo trazidas sabe-se lá de onde, repousando na areia fofa, encontrando conchinhas esbranquiçadas.
O mar é lindo.
Voltamos para o acampamento, tomamos café da manhã, empacotamos tudo e rumamos para Norwich.
Foram três dias no acampamento mais legal de todos os tempos.